31 março 2009

A Figura

Acordei com uma dor no peito, como se este tivesse sido aberto... E com fome... fui até à mesa da sala onde costumo tomar o pequeno-almoço e sentei-me ainda meio sonâmbulo... Reparei então na Figura, de ar repugnante e assustador em frente a mim do outro lado da mesa... infelizmente notei também que num prato branco à minha frente, com garfo e guardanapo à esquerda e faca à direita, estava o meu coração ainda a bater...
A Figura diz apenas, quase em forma de sussurro... "Come...". E podem não acreditar mas o pensamento que me passou pela mente foi apenas este... "Bem, no estômago sempre está mais perto do sitio original do que no prato...". Por isso, coloquei o guardanapo sobre o colo, devemos manter a educação mesmo quando nos pedem para devorar o próprio coração, com o garfo e a ajuda da faca cortei um pedaço de coração que levei até à boca, mastiguei-o e senti uma qualquer sensação no meu peito, como se um novo coração nascesse...
Olhei a Figura e o seu rosto iluminou-se com um sorriso...

29 março 2009

Divagação Primaveril...



"O Ramo Roubado


Entraremos na noite
para roubar
um ramo florido.

Passaremos o muro,
nas trevas do jardim alheio,
duas sombras na sombra.

O inverno ainda não se foi
e a macieira aparece
de súbito convertida
em cascata de estrelas perfumadas.

Entraremos na noite
até ao seu trémulo firmamento,
e as tuas mãos pequenas e as minhas
roubarão as estrelas.

E, secretamente,
em nossa casa,
na noite e na sombra,
com teus passos entrarão
os silenciosos passos do perfume
e com pés estrelados
o corpo claro da primavera."

Pablo Neruda

Sonhos...

"O óleo não deve estar demasiado quente para os sonhos poderem crescer. Sirva com calda, ou com açúcar misturado com canela."


Aborreci-me com as paredes, peguei num balde de sonhos e pintei-as, agora vou até lá fora...

27 março 2009

A Alquimia...


... é uma tradição antiga que combina elementos de quimica, fisica, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo, e religião. Existem três objectivos principais na sua prática. Um deles é a transmutação dos metais inferiores em ouro, o outro a obtenção do Elixir da Longa Vida, o terceiro objectivo seria o de criar vida humana artificial...
Os poderes alquimicos seriam "aumentados" pela posse/descoberta duma pedra de poderes místicos, a pedra filosofal...
Mas a verdade é que na alquimia normalmente nada, ou pouco, era o que parecia ser... e os alquimistas, se por um lado eram perseguidos pelas mentes mais conservadoras, nomeadamente a inquisição, que prefere um povo ignorante e obediente (prefere no presente, porque a inquisição e perseguição também se transmutaram e continuam presentes ), viam também a sua suposta capacidade de criar ouro cobiçada por mentes mais gananciosas... Na minha opinião os verdadeiros alquimista eram aqueles que não movidos pelo objectivo em si continuavam no seu caminho do conhecimento, catalogando as estrelas, combinando reagentes, documentando as suas experiências, criando desafios, enigmas e deixando questões para gerações vindouras... Um conhecimento que se degustava em livros decorados com belas imagens, em que cada nova descoberta ou falhanço poderia dar origem a uma obra de arte... Talvez essa pedra filosofal não passe dum coração nobre na busca do conhecimento, a transmutação dos metais inferiores da capacidade de transformar as pequenas descobertas em algo precioso para o futuro e a vida humana artificial pelo objecto da criação em si, de transformar os sonhos em obras... como dizia o António Gedeão na sua Pedra Filosofal "Cada vez que um homem sonha, o mundo pula e avança, como uma bola colorida nas mãos de uma criança.."...


E para cozinhar em lume lento: "...até porque a cozinha está longe de ser uma ciência exacta; está mais próxima da alquimia e da magia, pelos desdobramentos aromáticos e de sabor que revela, quando é executada por mão e coração sábios." Portanto, quando se pega no frasco da noz moscada podemos estar a um passo de descobrir a transmutação para o ouro...

E porque é hoje é o Dia Mundial do Teatro, uma vénia aos actores, que têm essa capacidade alquímica de dar vida às emoções humanas, das mais profundas e sinistras às mais alegres... De nos fazer ver o ouro no palco e de nos arrancar da cadeira para que as palmas das mãos se unam e criem aplausos...

26 março 2009

Constatação Primaveril...

Ou cada vez há menos andorinhas ou cada vez tenho menos tempo para olhar para o céu...

Por falar...

...em bolas de cristal...
Já alguma vez pensaram o que perguntariam a uma? ( como é que as bolas de cristal ouvem? seria uma boa pergunta... ) ou a um outro oráculo?

Não...

Foto por Steve Richards

...vou falar sobre perninhas de rã... Mas está aqui porque é verde e tem os olhos esbugalhados como qualquer boa rã... e é uma nova espécie, ou poderá ser, depois de todas as burocracias para verificar se está ou dentro duma das espécies já existentes...
Pergunto-me se entre esses critérios está verificar se algum parente deste espécime aparece no coro de rãs e sapos da animação que serve de videoclip à música do Paul Mccartney "We all stand together"?
Depois da dissertação musical, importa também observar esta capacidade que a natureza tem de se recriar, que apesar dos humanos esforços para a controlar e tornar todos os centimetros quadrados do planeta civilizados Ela ainda tira uns coelhos da cartola... Nós enquanto humanos devíamo talvez perder tempo a aprender mais umas coisas com Ela...
Sermos capazes de estilhaçar as bolas de cristal onde julgamos ver o futuro, que provavelmente não passarão duma imagem deformada do presente que se encontra por trás delas...
Soube-me bem a vez mais recente em que deixei estilhaçar uma bola de cristal no chão, percebi-o quando efrentei o presente diante de mim...

25 março 2009

Omeletes sem ovos...

...é o que muitas vezes a Vida pede que nós façamos.

Uns têm as cascas, outros as claras e outros as gemas...

Verdade seja dita, eu nem sei muito bem como se faz uma omelete, que por derivação fonética provavelmente daqui a uns tempos será omolete...

Mas regressando ao ponto em que não temos os ovos para a fazer as omeletes da vida... fomos bafejados com o dom da imaginação, muitas vezes escondido num sótão poeirento, debaixo das tralhas do dia-à-dia.... hoje em dia já ninguém inventa constelações mas quando éramos crianças todos nos devemos ter deliciado a ligar pontos numerados e ver-se traço a traço a revelar uma imagem... Como um tesouro que se revela após várias pistas seguidas...

Hoje em dia ninguém quer esperar para ver o tesouro revelar-se, "ninguém" talvez seja demasiado generalista, mas poucos serão com certeza (se é que se podem ter certezas)... O lume lento está fora de moda, hoje em dia tudo espera o "plim" do micro-ondas e uma comida que parece saber toda ao mesmo, tira a fome mas será que realmente nos satisfaz?